- Escrito por Camilla Ghisleni
A relação entre a arquitetura e o meio ambiente é multifacetada e envolve uma interação dinâmica entre os espaços construídos e o contexto natural circundante, moldando a forma como os edifícios e as cidades funcionam, impactam os ecossistemas e influenciam no bem-estar dos habitantes.
São muitos os aspectos que relacionam a arquitetura e o meio ambiente, desde os mais práticos como a utilização de materiais naturais e fontes de energia renováveis, até os mais abrangentes como a incorporação e valorização da cultura local. Dentro dessa ampla gama de possibilidades, selecionamos a seguir cinco entrevistas que apresentam diferentes abordagens sobre este tema e fomentam reflexões fundamentais para o contexto arquitetônico contemporâneo.
Ailton Krenak: Em vez de operar na paisagem, devemos nos confundir com ela
Ailton Krenak é um ambientalista, filósofo, escritor e poeta, doutor honoris causa pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Como líder indígena, Krenak articula imagens de suas experiências vividas em conceitos, e os transmite por meio de uma linguagem baseada na oralidade e na poesia. Sua cosmovisão não distingue paisagem e ser humano, animais, rios e montanhas, e seu chamado por novos modos de vida é urgente.
A pergunta é: com tanto desenvolvimento tecnológico, porque o sapiens não foi capaz de inventar alguma coisa diferente de uma caverna, de um bunker? Um prédio feito de ferro, cimento e concreto é uma caverna. E uma caverna de mau gosto. Será que não conseguimos criar ambientes permeáveis, onde podemos nos sentir pertencendo aos espaços, em vez de sobre os espaços, em cima deles?
Gloria Cabral: Tudo começa com a sabedoria de um lugar
Nascida no Brasil e formada no Paraguai, Gloria Cabral é uma arquiteta que aprendeu cedo que casa pode ser muitos lugares — ou nenhum. Com uma atuação profissional balizada pela compreensão ampla da geografia, cultura e condições sociais de onde projeta, tem deixado sua marca em edifícios e instalações artísticas construídas em diversas localidades, de Assunção à Veneza. Ao seu interesse pelas especificidades dos lugares onde atua, soma-se a atenção com a economia de recursos e reuso de materiais — temática em voga atualmente, mas cuja bandeira Gloria levanta há mais de quinze anos.
Acredito que tudo começa com a sabedoria de um lugar. Mas quando você entende não apenas o que fazer, mas por que fazer, a sabedoria se torna conhecimento passível de adaptação para qualquer região.
Mae-ling Lokko: Fazer o edifício retornar ao solo
Agricultura e indústria alimentícia parecem ter pouco em comum com a arquitetura, mas é justamente a sobreposição destas três áreas que interessa à cientista e arquiteta filipino-ganesa Mae-ling Lokko, fundadora da Willow Technologies, com sede em Acra, capital do Gana. Trabalhando com reciclagem de resíduos agrícolas e materiais biopoliméricos, Lokko busca meios de transformar o chamado agrowaste em materiais construtivos.
O ciclo de vida da arquitetura deve abranger tanto o modo como nossos edifícios empregam os materiais, quanto a forma como o meio ambiente lida com esses materiais depois. Mas isso é um grande desafio, temos que entender muito melhor o que acontece, do que é feito o nosso solo, o que há em nossos materiais. Essa é uma mudança de paradigma.
Laurent Troost: Dialogando com a natureza em uma arquitetura da essência
Laurent Troost é um arquiteto belga com uma rica trajetória em projetos realizados na Holanda, Espanha e Dubai, que decidiu mudar-se para o Brasil em 2008, estabelecendo-se na cidade de Manaus. Nessa região repleta de desafios e inspirações, Troost desenvolveu uma prática arquitetônica única ao unir suas experiências na concepção de prédios de luxo no exterior com edificações no coração da Amazônia.
Sobre a questão da sustentabilidade da indústria da construção, acho que é imprescindível considerar o impacto do uso da cidade e das edificações. Em todos os projetos a gente sempre tenta estudar os ventos ou a ausência deles e criar ventilação quando é possível para sempre tentar diminuir a necessidade do uso do ar condicionado. Sempre trabalhamos muito a questão da implantação, do impacto do sol através de brises, de peles duplas, de implantações inteligentes localizando as funções úmidas de banheiro e outros onde tem mais sol.
Gabriela de Matos e Paulo Tavares: Terra como tecnologia ancestral e do futuro
Abordando a terra em todos os significados que a palavra carrega, os curadores do pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza 2023, Gabriela de Matos e Paulo Tavares, sobrepõem questões ligadas ao solo e ao território com problemáticas planetárias, propondo uma aproximação entre os temas da reparação e decolonialidade — emergentes ao contexto brasileiro — com tópicos abrangentes, como descarbonização e meio ambiente, decisivos no debate global contemporâneo.
Como esperar que gerações inteiras que associam terra à sujeira possam se conectar com as questões ambientais e climáticas que são tão emergentes? Essa é uma reflexão global, porque se conecta a muitos contextos. Mas, além disso, é também um convite a pensar a terra enquanto tecnologia ancestral e, ao mesmo tempo, do futuro. Um convite a pensarmos como podemos associar isso com as tecnologias de hoje e construir de forma mais respeitosa com o meio ambiente.
Conheça a seção de entrevistas do ArchDaily, onde exploramos temas tão variados como tecnologia, materiais construtivos, projeto de arquitetura, cidades, comunidade, sustentabilidade e meio ambiente.