A loja Dengo Chocolates, em São Paulo, foi o primeiro edifício feito de madeira do país

Construções de madeira podem parecer uma volta no tempo, em contraponto aos altos edifícios modernos de concreto. Mas em um mundo onde a sustentabilidade vem sendo discutida em todas as esferas da sociedade, as estruturas de madeira nunca foram tão atuais e ganham cada vez mais espaço, revolucionando um mercado altamente poluente.

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“A madeira, quando comparada a outros materiais, é a única que cresce através de uma fonte 100% limpa, que é o Sol – consome e armazena o CO2, um dos principais causadores das mudanças climáticas, e, em troca, libera oxigênio, o elemento químico mais importante para o ser humano e a vida”, fala doutor em Engenharia Civil Calil Neto, CEO da Rewood, empresa focada em soluções estruturais de madeira.

Da lajes às vigas e aos pilares, a loja Dengo Chocolates, na capital paulista, é feita de madeira — Foto: Fran Parente / Divulgação
Da lajes às vigas e aos pilares, a loja Dengo Chocolates, na capital paulista, é feita de madeira — Foto: Fran Parente / Divulgação

Para efeitos comparativos, a fabricação de 1 m³ de concreto emite cerca de 1 tonelada de CO2 na atmosfera, enquanto a madeira captura 1 tonelada de CO2 durante o seu crescimento, segundo o especialista.

“Para produzir concreto, você gasta uma energia imensa em fornos; em queima de carvão, você destrói as montanhas para fazer a mistura do cimento, que, depois, a natureza levará milhões de anos para repor”, detalha o engenheiro Alan Dias, sócio-fundador da Timbau, empresa focada em montagens e pré-fabricação de estruturas de madeira.

Feitas com matéria-prima renovável, oriundas de áreas de reflorestamento, as estruturas de madeira podem ajudar a diminuir o impacto da construção civil nas emissões de gases do efeito estufa na atmosfera. “Se você tem uma obra que usa a mesma quantidade de madeira que a de concreto, há uma obra carbono zero, um anulou o outro. Se você usa mais madeira, você tem crédito de carbono”, explica Alan.

Segundo Calil, uma obra de madeira emite 40% menos carbono que a convencional. “É um material sustentável, que cresce com a energia solar e precisa apenas da água da chuva para poder se desenvolver. Além de não emitir carbono – pelo contrário, sequestra-o e transforma em elementos estruturais. É a forma de construirmos sem destruir o planeta. Então é o material necessário, eu diria, para as construções do presente e futuro”, comenta Alan.

Mass timber

As técnicas de construção que usam elementos estruturais de madeira são chamadas mass timber. Neste ramo da construção, o CLT (Cross laminated timber), denominado madeira lamelada colada cruzada, em português, é o que vem ganhando mais destaque.

O CLT é um painel de grande resistência, feito de madeiras coladas em perpendicular. Ele pode ser usado para a construção de lajes e paredes estruturais, substituindo o concreto armado, e chega a até 12 m de altura por 3 m de largura.

Já o MLC, sigla para madeira laminada colada em português (ou Glulam, em inglês), é composto também de madeira coladas, mas, em paralelo, compondo pilares e vigas de sustentação. “A invenção da madeira engenhariada fez com que o material superasse o limite de cinco e seis andares, que existia até então. Hoje, temos no mundo prédios de 20 a 30 andares sendo construídos neste modelo”, destaca Alan.

As estruturas são feitas em fábrica, ou seja, chegam prontas para ser montadas e encaixadas. Com isso, diminui-se em até 85% os caminhões necessários para realizar entregas na obra. “Eles podem ser fabricados curvos, retos e até com mais de 30 m em uma única peça. Estes produtos não abrem apenas a possibilidade de liberdade arquitetônica, mas também na engenharia, a fim de criar elementos em grande escala com enormes vãos”, comenta Calil.

O shopping Iguatemi Bosque Fortaleza foi uma das obras pioneiras no uso de madeira no Brasil — Foto: CMM Engenharia / Divulgação
O shopping Iguatemi Bosque Fortaleza foi uma das obras pioneiras no uso de madeira no Brasil — Foto: CMM Engenharia / Divulgação

Até cinco vezes mais leves que um edifício de aço e concreto, as construções feitas de madeira também geram menos custos com fundações. “Em termos de peso, 1 m³ de concreto pesa 2.500 kg, enquanto a madeira tem 600 kg. Em vista disso, sua trabalhabilidade, seja por corte, ajustes, seja até mesmo na fundação de uma construção e logística, são muito superiores”, diz Calil.

Além disso, os edifícios feitos de madeira ficam prontos entre 25% e 40% mais rápido que os convencionais. “Você pode pré-fabricar as peças antes de mandar para a obra. Não precisa de forma e armação. A madeira é muito fácil de transportar, de movimentar na obra, não faz barulho nem sujeira e, obviamente, não emite gases do efeito estufa quando é fabricada”, pontua Alan.

Madeira engenhariada x wood frame

As estruturas do tipo CLT e MLC são chamadas madeiras engenhariadas, porque são feitas em indústria e compõem peças maciças que servem como base estrutural, e se diferem do wood frame, outro sistema construtivo que usa a madeira em réguas individuais e montadas com pregos ou parafusos. Para fazer o fechamento, são usadas placas de gesso ou de cimento.

Complementares, os dois sistemas podem ser usados em conjunto: uma para fazer as paredes estruturais, os pilares e as vigas, e o outro para montar as divisórias internas e o fechamento da estrutura.

“A madeira engenheirada é um material de performance, com precisão dos componentes – todos cortados em centros robóticos. Controle de cronogramas e orçamentos, obras limpas e previsíveis são fatores do sistema construtivo”, avalia Renato Simonsen, diretor comercial da Crosslam, indústria pioneira na fabricação de painéis de CLT no Brasil.

Atualmente, o Brasil já conta com uma produção nacional de CLT e MLT, por empresas como a própria Crosslam, a Rewood e a mais nova no setor, a paranaense Urban. Segundo Calil, hoje, o país fabrica em torno de 10 mil m³ de produtos engenheirados por ano.

A Pina Contemporânea, novo edifício da Pinacoteca de São Paulo, tem parte da estrutura de madeira — Foto: Pinacoteca de São Paulo / Divulgação
A Pina Contemporânea, novo edifício da Pinacoteca de São Paulo, tem parte da estrutura de madeira — Foto: Pinacoteca de São Paulo / Divulgação

“Comparado a locais que já tem um desenvolvimento e uma absorção maior do material, como a Europa, ainda somos iniciantes. Para se ter uma noção, apenas uma fábrica europeia consegue fabricar cerca de 400 mil m³ de produtos engenheirados por ano. Porém, o consumo e entendimento do mercado nacional têm crescido bastante”, analisa.

Barreiras ao material

Apesar das vantagens e do protagonismo cada vez maior da madeira engenheirada em grandes construções pelo mundo, ainda são poucos os engenheiros e arquitetos que sabem empregar o material. “O domínio do material e entendimento do seu comportamento é, sem sombra de dúvidas, um ponto crucial para que seu uso seja relevante e difundido de forma correta”, destaca Calil.

Para Renato, no Brasil, a resistência aos edifícios de madeira esbarra, principalmente, na questão de orçamento. “Ainda há barreiras de custos para obras de grande porte se comparada a outros sistemas construtivos. Esse ponto está sendo superado neste exato momento. O mercado ainda olha com dúvidas sobre o sistema. Por existirem poucas edificações, romper a barreira cultural é, de fato, um desafio”, pondera.

Perspectiva de como ficará o Aurora 275, em Suzano (SP), prédio feito de madeira — Foto: Crosslam / Divulgação
Perspectiva de como ficará o Aurora 275, em Suzano (SP), prédio feito de madeira — Foto: Crosslam / Divulgação

Apesar da desconfiança que ainda existe, Calil afirma que a madeira engenhariada é um material resistente e durável tanto quanto o concreto. “Ela [madeira] se comporta completamente diferente da ‘natural’. Essas estruturas passam por um controle de qualidade, de secagem e utilização que garantem o uso do elemento por muito mais tempo, sem sofrer problemas”, fala.

Quanto aos custos, pensar no uso do material desde a concepção do projeto seria um dos caminhos mais viáveis. “Quando auxiliamos no desenvolvimento do projeto desde o dia zero, conseguimos chegar em construções com custos muito competitivos. Há cerca de 900 prédios sendo erguidos neste momento com madeira no mundo. É pouco perto do concreto, mas a ideia é atingir pelo menos de 2 a 5% do mercado mundial dentro dos próximos 20 anos”, analisa Alan.

O engenheiro também vê, no nosso país, uma dificuldade histórica – o brasileiro simplesmente não está acostumado com casas de madeira como em outros lugares. Portanto, imaginar um edifício todo no material pode ser mais difícil ainda.

“Nós não temos essa cultura, como os escandinavos, americanos, japoneses e canadenses, que moram em casas de madeira há mais de 300 anos. Também falta educação. Não aprendemos a projetar com madeira nas universidades”, comenta.

O Aurora 275 usa uma estrutura híbrida de CLT/MLC, concreto pré-moldado e aço — Foto: Crosslam / Divulgação
O Aurora 275 usa uma estrutura híbrida de CLT/MLC, concreto pré-moldado e aço — Foto: Crosslam / Divulgação

Na avaliação de Renato, ainda há um caminho a ser percorrido para fortalecer o setor de madeira engenhariada no país. “As arquiteturas no Brasil precisam mudar o mindset de como projetar. A maneira de concepção de projetos ainda tem raízes profundas em estruturas de concreto. Outro ponto é que o ecossistema de projetistas e fabricantes de madeira engenheirada no Brasil precisa amadurecer para tirar o melhor do sistemas construtivo: performance em prazo e valores globais competitivos”, diz.

Grandes edifícios

O edifício de madeira mais alto do mundo atualmente é o Ascent, localizado em Milwaukee, nos Estados Unidos. Inaugurado em 2022, ele é feito de CLT e MLC e tem 25 andares de apartamentos e 87 m de altura. “A sua construção sequestrou aproximadamente 7.200 toneladas de CO2 – o equivalente a tirar 2.100 carros das estradas por um ano ou a energia para operar mais de 1.000 residências no mesmo período”, conta Calil.

No Brasil, uma das maiores obras com o material é a sede da loja Dengo Chocolates na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo (SP), que também foi o primeiro edifício feito de madeira do país, finalizado em 2020. “Ele foi fabricado em 65 dias e sua estrutura foi montada em apenas 37 dias com quatro pessoas”, conta Calil.

Em construção, há o Aurora 275, em Suzano (SP), com incorporação da Crosslam e previsão de entrega neste ano. “Ele é o maior prédio residencial da América Latina usando estrutura híbrida de CLT/MLC, concreto pré-moldado e aço. Trata-se de um edifício de seis andares, duas unidades por andar, cada uma com 74 m². O objetivo principal do empreendimento é o de ser um grande showroom para o mercado”, aponta Renato.

O Ascent, localizado em Milwaukee (EUA), é o prédio de madeira mais alto do mundo — Foto: Wikimedia / Michael Barera
O Ascent, localizado em Milwaukee (EUA), é o prédio de madeira mais alto do mundo — Foto: Wikimedia / Michael Barera

Pioneiro, de 2014, o Shopping Iguatemi Bosque Fortaleza, no Ceará, ganhou um telhado de madeira que forma uma impressionante escultura, erguido pela Timbau. “Atualmente, estamos construindo o Shopping Atibaia [SP], que é a maior obra de madeira engenheirada da América Latina”, releva Alan.

Entre as construções da empresa, ele cita, ainda, a Pina Contemporânea, novo edifício da Pinacoteca de São Paulo, entregue em 2023, com parte da cobertura feita de madeira, e a loja Micasa Vol.C, na capital paulista, com projeto de Marcio Tanaka e do Studio MK27, de Marcio Kogan, finalizada em 2018, que foi feita com pilares e vigas de MLC.

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